10/09/12

Quando menos consigo esperar e o prever, ela vem como uma chama acesa de lamparina frágil no meio de noite fria e serena. A electricidade da minha mente a percorrer-me e a comandar os meus dedos para que se estalem contra teclas e me façam falar convosco. Como gosto de vocês. Como gostaria de vos gostar. Como gostaria de não vos escrever. Ficar fechado nas copas do dia-a-dia. Nas névoas dos meus cigarros inacabados. Permanecer no meu conteúdo negro e reconfortante. O conforto de me conseguir achar diferente e ultra-humano. Me achar capaz de pensar que o teu amor não significou. Que o teu amor passou. Que cicatrizou. Não aconteceu e é à noite que sei saber que não aconteceu. Que o que estala nos meus dedos não é a electricidade do meu pensamento mas sim os gestos que me deixaste guardar. Que o que eu faço não é falar mas sim renovar a alma com camadas mais secas e curtidas. Ah! Já não te escrevia há tanto tempo. Achei que não voltava - achei que não o merecias e enganei-me.

19/06/12

summertime sadness


quero deixar de escrever. perpetuo-me aqui, com estados que naturalmente tinham morrido mas que consigo perpetuar nas palavras exactas, escolhidas a dedo, vírgula por vírgula, mesmo quando estas parecem exageradas, assim foram escolhidas. mumifico ideias e sentimentos. escrevo muito de mim sabes? límpido a separar-me de olhos curiosos e sedentos de palavra e sentimento. escrevo tanto sobre mim. tanto sobre o mesmo. no fundo é-me triste ver que tenho andado a fugir do mesmo, a escapar-me aqui. sinto-me diferente, acho que encontro alguma utopia em dar de mim com a ideia de que é só isso. não há retribuição, não há expectativa. é um lugar morto. o meu caderno, o meu dedo calejado e eu. vem aí o verão, o que vou fazer em vez de escrever quando quiser estar comigo?
alguém, a dezanove de junho de 1985

06/06/12


Aposto que hoje olhas para mim, com aquele sentimento hediondo de pena e caridade por uma alma que julgas perdida, em oceano infindável. Que olhas para mim hoje e me achas muito mais quebrado e ferido do que antes. Que possas até começar a questionar-te onde e quando terei deixado o meu célere coração exposto. Músculo denso exposto a sentimento danoso que o tornou fina folha de papel. Disrítmica e desacelarada.

04/06/12


Estar contigo vai ser sempre como sonhar sozinho. Falar contigo será sempre o voo raso, solitário e precipitante a que as minhas asas se habituaram. Continuas sem perceber o que se destruiu e o que havias encerrado no teu peito. Agora que não me tens amarras, aproveito e fujo para longe (tão longe) que julgo às vezes ir no teu sentido. Julgo-te, por vezes, escondido atrás de carvalhos a ver-me ruir e a apanhar cacos. Julgo-te em demasia. Sei que nem sequer sabes onde corro e porquê. Para ti não sou o conjunto de cacos em que me deixaste. Sou apenas leve brisa que te ensinou entranhas e que nunca quiseste prender. E eu que sabia disso há tanto tempo e nunca o quis ver... De qualquer das formas, talvez ainda bem que assim o foi. Hoje sou livre e posso correr à vontade e levantar voos como sempre. Só tenho pena de me teres deixado os braços tão magoados e doridos, ao suportar-te durante tanto tempo.

13/05/12

no one likes emotional boys and their love shits.


Hoje fui abandonado. Fui deixado sozinho à conversa com o meu suturado coração. Gritou e hoje consegui ouvi-lo. Deixaste-me hoje, quando o calor alimenta a alma. Se calhar esperavas que o sol te pudesse substituir. Talvez te firmasse na pele a esperança que a tua incandescência pudesse ser substituída. Como se substitui toda uma estrutura? Todo um esqueleto de amor que embutiste em mim. Corrompeste-me pulmões e partiste o meu peito. Respirei-te de mais. Substituíste todos os meus ossos por palavras. Hoje tiraste-me isso, talvez tarde de mais. E agora? Procuro osso? Mais palavras? Queimo-me ao sol? O que faço?

03/05/12

Estalam-me os tilintares da tua guitarra aos ouvidos. Partes-me o coração. Evapora-se-me a alma.
Chove lá fora, o mundo transpira e a minha janela permanece fechada, porta aberta.
Levantas-te do sofá e eu fico sem saber se te siga. Se te convide. Se te roube a guitarra e construa uma nova alma.

30/04/12


Tinha saudades de sentir o meu coração a bater-me nas polpas dos dedos. Da permanência da filtração que consigo obter, quando plasmo o que sinto em folhas de papel sulcadas pelos meus dedos. Esses ninhos de celulose, quentes e confortáveis. Mundos de tinta permanente e plásticos baratos que quero sempre renegar e que acabam por voltar. Há quem diga que homens de ciência não devem ser poetas. Que não devem visualizar e apenas observar. Que não devem metaforizar e apenas descrever. Não consigo. Sinto a alma a partir-se e os fragmentos a ficarem. Como puzzle final já montado. Como ritmo de escape a que o meu coração bate, quando decido mais uma vez mostrar-vos quem sou.

LS, talvez 30 de Abril de 1973 

16/03/12

E porque agora a tua mística desapareceu, que nem açúcar derretido em superfície negra e fria.
Logo agora que acredito no genuíno poder de síntese. Na sintetização do prazer e felicidade. Abro lojas e exporto estórias de amor. Vínculos de gente a que nunca chegaste perto. Corações atados a fio velho e embrulhados em papel timbrado. Marcas plásticas, mais resistentes que açúcar,  que nem tu conseguiste evaporar. Plasticina seca que moldavas facilmente e que agora nem consegues quebrar.

24/02/12


É desafio inócuo e quase frustrante tentar forçar cordas que teci, amarrei e atei. Querer estilhaçar pedaços de mundo - e já não mundo inteiro- e fazer com que eles se vaporizem em forma de pó brilhante que vai com o fumo do teu cigarro contornar o teu cabelo. Querer e até mesmo ambicionar a destruição dessa ideia de posse. Dessa ideia parva de que te tinha (- Tenho-te? Tens-me -) e que tudo o que colocaste à minha disposição era especialmente direccionado para mim. Talvez não tenha recebido assim tanto, afinal colocar ao meu alcance é diferente de me oferecer. Ideia absurda de que éramos sintonia e que só não nos era permitida a fusão por impossibilidades práticas (que pareciam pequenos pormenores) maiores que a névoa cintilante que agora vejo a rodear.

16/02/12


Era um ser que caminhava à destruição. Às ruas negras e sujas perto do Rivoli parei e acendia o meu cigarro setindo-o arranhar a minha garganta. O vento cortava-me a cara e o pedinte aproximava e já eu rodava o torso, Não-desculpe. Sentia a minha fúria por te deixar aproximar e por me começares a remodelar por dentro, bem lá no fundo. Aquele âmago escuro que era meu, e que me sustinha. De lá vivi em cores rosas escuras sem nunca me conseguir afastar por completo da fúria e lá desse fundo esperava por dias como estes. Aqueles em que escrever não custa. Aqueles em que tudo é pessoal, profundo na pele e cortante. Alturas em que percebemos que amamos até sangrar e em que tudo se mostra em câmara-lenta- o que fomos- porque a tempo normal seria pouco, muito pouco.

29/01/12


Campos de dálias brancas, sob um céu negro e vento de chuva. A vista da tua janela não me enganava e eu sabia que vinham de ti, más notícias - pelas quais choraria algum tempo. As tuas palavras sempre me fizeram tremer, exactamente por nunca saber que tipo de notícias carregarias contigo. Agora pego nos meus pincéis e misturo às minhas lágrimas as tuas cores quentes com uma fúria e lágrimas que absorvi de ti, da tua serenidade ao dar más notícias. O esboço disforme do teu pensamento ilustra o teu rosto, alegre e radioso como sempre. Branco, imaculado. Como flor eterna sobre o meu próprio tempo.

N.R. a 5 de Maio de 1972

25/01/12

Há por vezes certas certezas sobre o que me espera. Já ao fim do dia e à madrugada me sento a escrever com um enviesamento do pensamento exausto e áspero. O atrito ensurdece e os pequenos prazeres enraízam-se ao chamarem por mim. Invoco melancolias na recordação e a minha alma assegura-se, dolorosamente, da amplificação dos pequenos laivos de simplicidade que tenta absorver e que psicoticamente tenta recordar e catalogar a propósito. O caótico diurno não encaixa a estas horas e a inquietude instala-se! O pensamento deixa de doer e de existir. Começa o desenrolar de letras e a tentativa frenética de me organizar. Hora de destruição e catarse em que me quero prolongar e fazer com que não amanheça mais. Afinal, tenho medo de não querer (simplesmente?) lutar mais por aquilo que à noite não me faz sentido.

15/01/12

verbal overshadowing



Adoro olhar-te com os teus cabelos longos e castanhos, a escrevinhar o teu caderno preto, que de tanto ser aberto, vê já o seu elástico frágil e em grito ténue de ajuda. Adoro a forma como desenhas as penúltimas letras das tuas palavras. És uma perfeição discreta e escondida, que -confesso- tenho medo que outros descubram. És uma ténue mancha que se esborrata em prosa e verso quente em tempo frio. És sorriso de lábios rosados que encharcam o meu ser e possivelmente as minhas palavras. Influência desmedida e imensurável que dificilmente verá par igual. Olhar-te é como levantar bloqueios de alma - pequeninos e fortes- sentir-me livre e escrever. No fim de tudo, talvez não te adore como és, mas como te escrevo.