02/04/13

sou dado a devoluções


Olhava para ti, como nota de melodia solta que acabara de ser posta no lugar. Emanavas de ti a sonoridade perfeita de uma realidade destroçada e amaldiçoada onde nem quis parar. Seguia os teus lábios com os meus, procurava a tua mão com o meu calor e ignorava os nossos corações. Talvez não ignorasse o teu. Deixava-os ao sol, a queimar. Deixava-os a jorrar em seco e a baterem arritmicamente.  Um dia foste-te embora e já só lá encontrei um velho e roto coração. Batia descoordenado, sozinho, seco. Era ridículo e não era o meu. 

01/04/13


Se escrever é sentir duplamente, então já não tenho corpo e dedos que se possam mais magoar. É como estar diante de um oceano, enquanto chove lá fora, e sentir o meu olhar a esvaziar-se na tua maré ondulada. Olhar para as minhas mãos, retrácteis, cicatrizadas e sentir a electricidade no ar. Luz branca de espuma rarefeita em ar frio que vai escurecendo. Era assim que te via. É assim que te escrevo. Olhava-te com a magia das palavras na ponta dos dedos e agora, que és raio dourado e particulado, és electricidade que não morre. Espuma que não desaparece. Agora é como olhar-te no dorso da minha mão e lembrar-me do tecido de que eras feito. É rever-te em todos os corpos brancos. Olhar para outras marés e ver sempre as tuas. Agora, és todo o oceano que consiga alcançar. Agora, és todo o texto que consiga aperfeiçoar.