10/11/13


Era contemplação ociosa, pura e límpida, aquela que ele era capaz de emanar. Na mira,  os reflexos dourados do seu cabelo e o sorriso claro de pele nos seus traços. O sol dava lugar à brisa capaz de o transportar, particulado, desfeito pelos murmúrios dos nossos nós. O calor da sua pele evaporava-se, para ser captado e armazenado, em esferas que ainda hoje ele guarda. Objectos inflamáveis em resumo premente e constante que incendeiam a alma ao mínimo rastilho deles. Fogos inconsoláveis de sóis pétreos. Hematomas de lábios rasgados. Amor adoecido e prestado ao cuidado.

05/11/13


Há em mim uma revolta latente. Ancorada às minhas vísceras e anexada ao meu revolto sentimento - que se faz perceber claramente à exalação da minha alma. Lá no fundo, onde ela ancora, vive escondida e de unhas roídas ao pé de um abismo, plantado à borda de pétalas pequenas e brancas, onde ela brinca despreocupada. De lá não se liberta. De nada lhe servem as nódoas negras que traz nos joelhos - a não ser para se exibir gloriosamente como pétala de juventude irrequieta. Hoje procurei e não a encontrei. Penso que desancorou. Penso que ainda aqui está - mas o pior - é que não sei onde.

09/07/13


Sentado, prostrado às ressonâncias claras e perfumadas da tua acidez melancólica. Da tua água gelada sobre olho vítreo da minha esperança. Hoje, e logo hoje, que cheiro a lençóis diversos e a suores escondidos mostras-te que nem bala de borracha para a minha pele pisada, e já não só por ti. Hoje desarranjas o vácuo em que me organizei na tua ausência. Hoje quebras-me de novo e, volto a amar-te.

18/06/13

a dor e as manhãs.


É em manhãs frias, que respiram janelas, que transpiram pétalas cinzentas de flores anímicas que me apercebo do quão corrosivo consegui não ser para ti. Era amor não era? Era sempre como estar perto daquele precipício do ser – de alma exposta ao osso e à fricção dolorosa da tua imagem recorrente. Caminho remendado pela ociosidade da minha alma que não se quis fazer pétrea. Preferiu a mortalidade da dor e agora lateja sempre ao toque de pétalas soltas no ar. Hoje, quase me achei imune ao pensamento que emana da tua imagem gravada na minha pele. Ao caos turbilhante em que me colocaste. Às dores esféricas e macerantes a que me sujeitaste.

02/04/13

sou dado a devoluções


Olhava para ti, como nota de melodia solta que acabara de ser posta no lugar. Emanavas de ti a sonoridade perfeita de uma realidade destroçada e amaldiçoada onde nem quis parar. Seguia os teus lábios com os meus, procurava a tua mão com o meu calor e ignorava os nossos corações. Talvez não ignorasse o teu. Deixava-os ao sol, a queimar. Deixava-os a jorrar em seco e a baterem arritmicamente.  Um dia foste-te embora e já só lá encontrei um velho e roto coração. Batia descoordenado, sozinho, seco. Era ridículo e não era o meu. 

01/04/13


Se escrever é sentir duplamente, então já não tenho corpo e dedos que se possam mais magoar. É como estar diante de um oceano, enquanto chove lá fora, e sentir o meu olhar a esvaziar-se na tua maré ondulada. Olhar para as minhas mãos, retrácteis, cicatrizadas e sentir a electricidade no ar. Luz branca de espuma rarefeita em ar frio que vai escurecendo. Era assim que te via. É assim que te escrevo. Olhava-te com a magia das palavras na ponta dos dedos e agora, que és raio dourado e particulado, és electricidade que não morre. Espuma que não desaparece. Agora é como olhar-te no dorso da minha mão e lembrar-me do tecido de que eras feito. É rever-te em todos os corpos brancos. Olhar para outras marés e ver sempre as tuas. Agora, és todo o oceano que consiga alcançar. Agora, és todo o texto que consiga aperfeiçoar. 

18/03/13


Julgava-te em lugares de destruição na minha mente. Lugares que tinham como função triturar e fechar as imagens que me magoam mas ao que parece - até lá, vences. Habituaste-me a deixar os lábios pendurados à porta. Ontem dei por mim a deixá-los de novo (por tua causa e como me ensinaste) à porta de outros. Dei por mim a regressar a casa sob plena toalha de céu negro e nebuloso, quando toda a cidade não existia, quando as únicas luzes eram as da rua cinza, escura e remendada. Dei por mim a odiar-te. Dei por mim a agarrar-te. Como fluído encarcerado, trouxe-o à minha superfície. Voltou a escaldar-me por dentro. Vi-me sozinho, fumado e assustado. Dei por mim a querer odiar-te. Dei por mim a querer voltar odiar-te. Hoje não é isso que quero, hoje não há espaços que te contenham e te triturem. Hoje não te odeio mas parece que sempre terá de haver dias em que te terei de o fazer.

09/03/13




Há alturas em que custa ser profeta. Falar do meu coração em banhos gelados. Antecipar o calor e saber que morrerá cristalizado. Que deixará de se contorcer e comprimir infundido nos teus venenos. Há alturas em que custa avançar em ti, contigo. Alturas em que todo o corpo doi. Tempos em que a água gelada percorre as tuas costas nuas e o único esgar na tua face é de prazer e não de dor. Há alturas bastante confusas.

18/02/13


Refugiei-me em letras de ciência. Confortável na ideia de que a necessidade de pensar em ti não chegaria e que até me pudesse ter abandonado. Mergulhado no bizarrismo de técnicas e pragmaticismo, dei-me a consumir em teclas de arame. De cobardia com a minha alma – que se quer regenerar- costuro-a a pontos de cirurgião aos pedaços quebrados que deixaste em mim. Não os costuro entre si. Porquê? Hoje que regresso ao frio, gostava de saber que por baixo da tua pele há cor. Que há lama de canela e teclas de piano quebrado pelo meu amor. Do tempo em que te quis saber. Do tempo em que quis reaver o que com que te infiltrei, o que consumi, e tudo o que perdi de mim nos teus mundos cegos e de amor.

05/02/13


Gostava de ser corajoso o suficiente para me declarar inapto ao amor.
Corajoso o suficiente para deixar de sentir a alma desconfortável sempre que te vejo.
Já tanto passou e mesmo assim...ficas-me sempre com as palavras.