quero deixar de escrever. perpetuo-me aqui, com estados que naturalmente tinham morrido mas que consigo perpetuar nas palavras exactas, escolhidas a dedo, vírgula por vírgula, mesmo quando estas parecem exageradas, assim foram escolhidas. mumifico ideias e sentimentos. escrevo muito de mim sabes? límpido a separar-me de olhos curiosos e sedentos de palavra e sentimento. escrevo tanto sobre mim. tanto sobre o mesmo. no fundo é-me triste ver que tenho andado a fugir do mesmo, a escapar-me aqui. sinto-me diferente, acho que encontro alguma utopia em dar de mim com a ideia de que é só isso. não há retribuição, não há expectativa. é um lugar morto. o meu caderno, o meu dedo calejado e eu. vem aí o verão, o que vou fazer em vez de escrever quando quiser estar comigo?
alguém, a dezanove de junho de 1985
3 comentários:
Vi agora o teu comentário na minha outra casa. Aqueceste-me a alma, como sempre. E vir cá é tão reconfortante...
Escrever ainda mais e mais !
As almas entendem-se, os corpos é que não. É isso que temos de gestos mal construídos e palavras mal empregues que nos trai, enquanto as almas se devoram em amores que não somos capazes de qualificar. E depois as nódoas negras, a tempestade das nódoas negras que nos engole sem sabermos e que um dia o corpo esquece, cura, esconde, mas a alma nunca se deixa de recordar. É essa ambiguidade, esses dois pólos que faz de nós impossíveis travessias, deixando-nos muitas vezes à margem uns dos outros. Pelo menos é assim que acho acontecer, (creio que me dói muito a ideia de nem as almas se saberem).
O meu coração sorriu agora ao ler-te. Vou-te contar uma coisa: ele sorri sempre. Obrigada eu.
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